Um estudo publicado no JAMA Network OpenTrusted Source levanta uma questão importante: problemas de saúde mental nos mais jovens pode aumentar o risco de demência? Segundo pesquisadores do Instituto Finlandês de Saúde e Bem-Estar, da Universidade de Helsinque e da Universidade do Leste da Finlândia, a resposta é sim.
Durante a pesquisa, os cientistas acompanharam 67.688 indivíduos, com idades entre 25 e 74 anos, que participaram das pesquisas do National FINRISK Study entre 1972 e 2007. Eles foram observados por um período de 25 anos para entender melhor a ligação entre os sintomas de demência e o sofrimento psicológico – termo genérico que engloba sintomas de ansiedade, depressão, estresse, humor depressivo, exaustão e nervosismo – o que levou a conclusão de que estão diretamente associados a um risco aumentado de demência.
Essa ligação já havia sido apontada em pesquisas anteriores, mas até então permanecia obscura. Esse novo estudo, porém, joga luz ao problema e explora justamente esse vínculo, além de procurar entender o que causa a demência.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, atualmente existem 55 milhões de pessoas em todo o mundo vivendo com demência, com quase 10 milhões de novos casos sendo diagnosticados a cada ano. Segundo estudos anteriores, como um publicado em 2022, indivíduos com níveis de depressão cada vez mais graves, cronicamente altos ou cronicamente baixos tinham maior probabilidade de desenvolver demência em comparação aos indivíduos sem depressão ou com diminuição dos sintomas de depressão. Outros levantamentos descobriram que a ansiedade, a exaustão vital e o estresse psicológico também estão associados a um início tardio de demência.
Como o sofrimento psicológico é comum nos estágios iniciais da demência, os estudos de determinação de risco devem ter um intervalo suficientemente longo entre a medição dos sintomas do sofrimento psicológico e da incidência da demência para que o resultado seja considerado confiável. Outro fator a ter em mente é o risco competitivo de morte. Segundo alguns autores, deve se levar em consideração se as pessoas com problemas de saúde mental tendem a morrer em idades mais jovens e, portanto, não viver o suficiente para apresentar demência.
“Poderíamos esclarecer essa conexão usando conjuntos de dados populacionais, um longo acompanhamento e uma modelagem cuidadosa de morte por outras causas”, diz Sonja Sulkava, principal autora do estudo e pesquisadora de pós-doutorado no grupo do professor Tiina Paunio.
O FINRISK, usado nesse levantamento, foi um grande estudo populacional finlandês sobre fatores de risco em doenças crônicas não transmissíveis, realizado por 40 anos, e suas pesquisas incluíam perguntas sobre sintomas de sofrimento psicológico. Já os dados de demência e mortalidade de cada participante até 31 de dezembro de 2017 foram obtidos do Registro de Saúde da Finlândia. “O relatório de Sonja joga luz nessa nova evidência de que as pessoas que têm problemas de saúde mental no início da vida tendem a desenvolver demência mais tarde. Isso abre uma janela promissora para a prevenção”, afirmou Terrie E. Moffitt, professora de psicologia Nannerl O. Keohane na Duke University e de desenvolvimento social no King’s College London, que não participou do estudo.
Levando em consideração o risco competitivo de morte e outros fatores que afetam o risco de demência, os pesquisadores descobriram que os sintomas de sofrimento psicológico foram associados a um aumento de 17% a 24% no risco de demência. “Nosso estudo sugere que sintomas de sofrimento psicológico são fatores de risco para demência, e não apenas sintomas de transtorno. Mas ainda não podemos provar a causalidade”, disse Sonja, sobre algumas limitações do estudo como falta de dados e informações de alguns pacientes na pesquisa FINRISK, bem como falta de informações disponíveis sobre traumatismo cranioencefálico, deficiência auditiva e baixo contato social – três fatores de risco estabelecidos para demência.
“Essas descobertas sugerem que os principais resultados do artigo se devem a eventos de demência que ocorrem logo após a medição do sofrimento psicológico. Esta é uma demonstração perfeita de causação reversa, ou seja, sofrimento psicológico na fase pré-clínica da demência, em vez de sofrimento psicológico ‘causando’ demência”, pontua Archana Singh-Manoux, professora pesquisadora e diretora do Instituto Francês de Saúde, que não esteve envolvida no estudo. Em um dos modelos usados para calcular o risco de demência, quando os pesquisadores excluíram indivíduos com acompanhamento inferior a 10 anos, as análises de sensibilidade não mostraram associações significativas entre sofrimento psíquico e doença de Alzheimer, por exemplo.
Segundo a autora do estudo, a associação entre sofrimento psicológico e doença de Alzheimer provavelmente não sobreviveu às análises de sensibilidade devido a limitações históricas. “Os diagnósticos de Alzheimer na Finlândia começaram apenas em meados da década de 1990, enquanto os diagnósticos de demência já foram feitos na década de 1970, quando o estudo FINRISK começou”, explicou.
Questionada sobre as próximas etapas da pesquisa, Sonja disse que estudos maiores e acompanhamentos mais longos serão necessários. “Estresse, exaustão e sintomas depressivos estão intimamente ligados a problemas de sono, que também são considerados fatores de risco para demência. Nosso próximo passo e justamente estudar essa relação do sono e demência”, finalizou.